Você já se imaginou viver sem ter uma casa? Quando eu digo casa, estou dizendo um lugar para voltar à noite e descansar, que vai de uma cama num quarto apertado até um apartamento ou casa completo, com todos os cômodos. Um lugar para voltar a noite.
O simples fato de ter um lugar fixo, já transforma a nossa relação com o mundo, já que somos seres acumuladores por natureza. O indivíduo que só tem uma cama, consegue colocar na guarda um terço, um livro embaixo do travesseiro, um punhado de roupa no pé da cama e uma toalha na lateral. No caso de ter um apartamento ou casa, a quantidade de imóveis e itens é infinita, se tiver espaço vai ter alguma coisa em cima, e alguma coisa em cima da coisa, dentro da coisa outras coisas.
Viver por por oito meses sem um lugar fixo, somente uma moto e uma mochila, viajando para lugares desconhecidos me fez me desprender (um pouquinho) do apego que eu tinha pela maioria dos itens pessoais do qual eu entre “possuía” (ou possuo). Aquela velha frase questionativa, não deixe os itens que você possui, possuir você.
Foi muito difícil não colocar uma grade em cima do baú para poder adquirir alguns itens durante a viagem, viver somente com uma mochila é impossível. Precisei de uma bota mais segura, uma calça com proteção pro joelho, um casaco mais confortável, luvas para o frio, acessórios para moto, na Serra gaúcha extremamente importante ter a segunda pele, uma roupa que esquenta.
Porém todos esses itens são quase indispensáveis, passar por tantos lugares e não comprar sequer uma lembrancinha foi muito difícil. Acabei comprando coisas mínimas como um chaveiro no aquário de Balneário Camboriú, uma fotografia no bondinho no Rio de Janeiro, um colar uma pedra do sol em Bombinhas, uma cuia e uma bomba em Porto Alegre, camisetas dos lugares onde passei, entre outros pequenos itens.
Tudo isso exigia uma manutenção incrível “do que” caberia na mochila, assim, deveria sempre me livrar de um item com uma camiseta velha quando comprasse uma nova. Quando começou a parte quente do trajeto, do Paraná para cima, empacotar os itens de frio e despachar pelos Correios e conseguir novo e precioso espaço livre.
Tinha somente o essencial dentro da minha mochila e isso me fez uma pessoa diferente após essa experiência. Não acho que tudo que temos é dispensável, mas acredito que os melhores presentes da vida são as pessoas e os lugares que Deus nos deu para conhecer. Ter uma televisão na casa pode ser bom, ter um relógio também, uma raquete de tênis um monitor, roupa social. Mas o sentido da vida não pode ser acumular.
A verdadeira mudança é sutil, é estar pronto para abrir mão disso tudo mas nunca deixar a sua essência ir junto. Tudo que o homem fez, projetou ou planejou tem uma utilidade limitada, o que nós precisamos mesmo é de água, alimento, abrigo, dar e receber ajuda para fazer uma sociedade melhor e colaborativa.
Tudo que você tem foi Deus que te deu, esteja pronto para que ele tire quando achar que deve, e se está esperando uma riqueza e for do gosto de Deus nada do que você tem hoje pode valer quando atingir essa fortuna. Você não tem uma casa, Deus te deu uma casa para cuidar. Abra espaço no seu guarda roupa, na sua gaveta, na sua casa e o deixe vazio.
Trinta raios convergem para o meio de uma roda,
Livro Tao Te Ching, o Caminho
Mas é o buraco em que vai entrar o eixo que a torna útil.
Molda-se o barro para fazer um vaso;
É o espaço dentro dele que o torna útil.
Fazem-se portas e janelas para um quarto;
São os buracos que o tornam útil.
Por isso, a vantagem do que está lá
Assenta exclusivamente
Na utilidade do que lá não está.